O SER-A-DOIS E A SOLIDÃO
Ninguém pode contestar que pela nossa própria constituição, pela nossa estrutura ontológica, pelo nosso estilo psicológico, a solidão está profundamente incrustada em nós e representa uma ameaça permanente. Nascemos na solidão, morremos nela, e toda a nossa vida se desenrola sob o signo dela. Mas, por estranho que possa parecer, ela mesma veicula em nós o desejo tão ardente de amor que só cresce à medida que somos cada vez mais ameaçados de sermos reduzidos ao estar-só. Este conflito, que parece decisivo, tem o seguinte desenlace: a solidão profunda gera o desejo profundo de amar. Quanto mais se está só, tanto mais se quer amar e ser amado.
E, como a solidão é uma negação e uma privação, algo como o nada em relação ao ser, ela não resiste a afirmação do amor que um dia pode esboçar-se em nós. É que, na realidade, apesar das aparências fatalistas, o homem não nasceu para a solidão. Carrega-a dentro de si como uma tentação e ao mesmo tempo um mau temível. Mas a sua existência não é uma complacência com a solidão. Ela é busca obstinada do amor.
Vivendo por si mesmo, o homem está ancorado na solidão. Mas a aspiração dele não tem por objeto – longe disto – o estar-só, mas o ser-a-dois.Duas solidões que se encontram, se superam e se lançam para fora de si mesmas, formam um amor.
E o amor não é, em suma, senão esta doçura de ser dois, que evocamos no início do texto. É a esta doçura que se opõe a tragédia do estar-só. Talvez seja necessário viver essa tragédia da maneira mais profunda possível, talvez seja necessário atingir esse momento em que o coração estoura e onde o espírito morre para compreender que o único caminho de felicidade humana é o do amor. Lembrem-se disto sempre os que receberam a graça de viver a doçura de ser-a-dois, e estejam atentos para não fazer soçobrar o seu privilégio em uma solidão que recriarão sob o impulso de seu egoísmo nefasto. O Eu só é verdadeiro se puder ser pronunciado diante de um Você.